Publicado em

Sensibilidades de um bicho (humano) em fazer artístico

Sensibilidades de um bicho (humano) em fazer artístico

São Paulo, agosto de 2020
Revisão: Gustavo Brechbühler
Falar de experiências pessoais para instigar reflexões, se assim for, em outras pessoas, em algum tempo ou lugar, por semelhança ou completa diferença, é um desafio que demorei a aceitar. Durante um bom período não me senti nada confortável com a ideia de expor passagens de experiências e aprendizados pessoais, pelo simples fato de que elas, provavelmente, não têm nem teriam qualquer potencial para interessar a ninguém mais. Continuo achando bastante disso, apesar de um pouco diferente; mas sigo nessa prerrogativa como forma de encontrar medidas e doses ao longo dessa experimentação.
 
Nesta narrativa e nas próximas que vierem, trata-se menos dos relatos do Projeto Depois da Curva em si, e mais de procurar “re-traçar” caminhos, fazendo uso de memórias e palavras. Caminhos que remontam trajetos e passagens que pouco a pouco vieram me trazendo, cada um e cumulativamente, a esse exato instante, à pessoa que sou e estou, ao que me povoa em pensamentos, sobretudo ao contexto em que vivo. Algo como tornar “palpável” a sensação de ser indivíduo e de ser coletivo nesse curto espaço-tempo que temos disponível.
 
Há algum tempo venho tendo amostras de que a idade é um mero estado de espírito, e não algo definido pela contagem cronológica que nos faz acumular anos de vida. Talvez não por acaso essa constatação, soando periodicamente como uma voz interna, passou a ficar mais clara e forte a partir da proximidade dos 40 anos. E com a percepção de que em mim mesmo algumas coisas vinham mudando: algumas virtudes do corpo, um grupo de interesses pessoais, várias prioridades, visão de mundo e de vida, percepção de entorno, formas de relação com as pessoas… e algo mais.
 
A noção de que ainda somos, nós, um bicho humano, meros seres vivendo ciclos naturais, regidos por muitos elementos absolutamente interligados, relacionados e interdependentes, me traz alguma esperança que todos esses séculos da nossa presença-ação dominante e predatória ainda serão compensados por alguma força regenerativa da natureza – contra a qual nossa inteligência ou capacidade construtiva não serão páreo. No momento, ano 2020, está aqui entre nós um novo vírus nos dando (mais) um belo tapa na cara, enquanto insistimos, talvez a grande maioria, em não reconhecer que conceitos de desenvolvimento vigentes há bastante tempo já não tem qualquer cabimento – e que com eles que estamos cavando nossa própria cova.
 
No exercer da minha profissão e em minhas buscas artísticas (sobretudo na intenção de praticar um fazer fotográfico que seja, ao mesmo, tempo individual e coletivo), hoje sinto com bastante força uma necessidade infinita de questionar e duvidar sobre caminhos e formas, os meus próprios inclusive; que me levem a estar sempre num lugar longe de confortos, certezas e seguranças.
 
Longe dos nossos olhos e da nossa capacidade humana de percepção, por baixo do solo de uma floresta (ou de um simples canteiro doméstico) há uma grande rede de raízes, ramificações, micro seres contribuindo ativamente para que toda a vida acima da terra aconteça. Tal qual, penso que é tarefa diária, ininterrupta a cada instante, sensibilizar-me de que são os pequenos detalhes de como as relações entre pessoas acontecem, que nos tecem em uma grande rede afetiva e forte. Pequenos detalhes. E mais além: me dou conta de como são as imperfeições da vida, fonte preponderante da formatação das coisas como elas são. E como essas imperfeições é que servem como pontos de partida para a percepção da beleza das diferenças como algo importante, senão relevante, para a compreensão humana e da natureza.
 
Independente da denominação que se dê para aquilo que pratico (fotógrafo, artista visual ou outra que seja), desejo que “minha” fotografia seja apenas um suporte. Um elemento de apoio das experiências de convívio e de narrativas que melhor representam, hoje, o que sinto serem as buscas de cunho pessoal e de um ser vivo em expressão artística. E que se referem, estas, a um constante estado de ser colocado de volta, o bicho humano, no meu devido lugar na natureza: uma breve poeira na existência.
 
Essa é nossa maior e mais bonita potência como indivíduos.
São Paulo, 2013
Yuba/Mirandópolis, 2011
CONTEÚDO SUGERIDO
“Powers of Ten” (1977) / Eames Office LLC
https://www.eamesoffice.com/
Este curta nos leva a uma aventura por magnitudes. Partindo de um picnic à beira de um lago, o filme nos transporta para as beiras do universo. A cada 10 segundos vemos o ponto de partida de uma perspectiva 10 vezes distante, até que nossa galáxia esteja visível apenas como um espectro de luz em meio a tanto outros. Mas o que será que acontece no caminho de volta ?